TRABALHO DE CAMPO

Parque Natural das Dunas da Lagoa da Conceição

Visita de Campo

Entre as áreas de estudo selecionadas, o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição (PNMDLC) vem sendo atingido de forma constante, direta e de modo irreversível com o passar dos anos. Inicialmente, tal fato ocorria em razão da questão sanitária que permeia o parque desde a década de 1980, das constantes degradações que daí resultam, bem como das alterações da mata nativa, com sua descaracterização e desmatamento. Em visita a campo ao Parque, pôde-se constatar tais problemas de modo nítido, com uma área extensa de desmatamento do ecossistema típico da região (a restinga), principalmente próximo da zona litorânea na Praia da Joaquina. Constatou-se também a presença de Pinus Elliottii, espécie invasora que não faz parte da mata nativa da região, além de queimadas em alguns locais específicos, indicando a degradação da vegetação típica. Soma-se, ainda, a todo esse contexto o fato de que a gestão do parque vem sendo objeto de discussão, com a elaboração do plano de manejo da unidade de conservação por meio de oficinas públicas que estão ocorrendo desde fevereiro de 2023. 

De acordo com o debate, problemas estruturais como a questão sanitária e a dispersão de esgoto para dentro do parque permanecerão a ocorrer em seu interior, sendo absorvidos e admitidos pelo plano de manejo, conciliando apenas as maneiras como os órgãos públicos conduzirão essa problemática junto das comunidades. As oficinas públicas continuam a se desenrolar e estão previstas ao longo do ano para o debate com os órgãos públicos e sociedade civil, no entanto há muitas questões que, embora se tenha consciência de que são danosas ao parque, são admitidas pelo Poder Público como um ―problema necessário‖, uma vez que a solução implica aceitar a situação, agindo de modo a abrandar as questões apresentadas. Nesse sentido, os problemas sanitários do PNMDLC possuem uma conjunção de elementos essenciais que contribuem, de forma determinante, para a constituição atual do cenário de pré-colapso da Lagoa da Conceição. A ETE Lagoa da Conceição localiza-se no parque, sendo a primeira Estação de Tratamento de Esgoto da CASAN construída no local, e realiza o tratamento dos efluentes das comunidades do entorno. 

A ETE foi fundada em 1988 para atender, inicialmente, 4.000 (quatro mil) habitantes, porém, desde a sua origem, apresenta complicações, indicando o despreparo na escolha do lugar e a ausência de estudos apropriados de impacto ambiental – EIA RIMA (Barbosa, 2003). De acordo com a Ana (2016), a ETE Lagoa da Conceição serve aproximadamente 14.538 pessoas na Lagoa da Conceição. O total da população residente da LC atendida pelo sistema centralizado de esgotamento sanitário operado pela CASAN (ETE Barra da Lagoa e ETE Lagoa da Conceição) é de 57% (quase 20 mil habitantes). Esses sistemas abrangem a região Central da Lagoa, Canto da Lagoa, Costa da Lagoa, Avenida das Rendeiras e Barra da Lagoa (CASAN, 2020). Dessa análise constata-se que a outra parte da população, 43%, é, então, atendida pelo sistema descentralizado o qual se manifesta por meio das soluções individuais, tais quais fossas negras, fossas sépticas e valos de infiltração. A figura abaixo ilustra a ETE Lagoa da Conceição, que se localiza no PNMDLC. Nota-se que, além da ETE, a área total do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) conta com três Lagoas de Evapoinfiltração (LEI) e que o sistema se encontra a 300 m de distância da Lagoa da Conceição. 

Segundo Santos (2018), as obras do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) Lagoa da Conceição se iniciaram, especificamente, em 1983; e a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), em 1988. Outrossim, a ETE LC possui 3.380 m de perímetro e abrange uma área total de 69 ha. Importa destacar que o SES LC atende a região central da Lagoa da Conceição (Avenida das Rendeiras e parte da Avenida Osni Ortiga). Apenas no ano de 2006 a rede coletora foi ampliada com o objetivo de servir parte do Canto da Lagoa, com 11730 m de extensão. Em janeiro de 2021, ocorreu o rompimento da barragem da Lagoa de Evapoinfiltração (LEI 1), o qual inundou o PNMDLC, invadiu residências e trouxe destruição por todo o caminho pelo qual passou, assolando a fauna, flora, moradias e a própria Lagoa, desde a Avenida das Rendeiras, local onde sofreu o maior impacto inicial, até as águas da lagoa em uma extensão generalizada. A contaminação das águas da LC persistiu pelos meses subsequentes e resultou na mortandade extrema de peixes e demais seres vivos pertencentes ao ecossistema local. O episódio marcou o que residentes e pesquisadores descreveram como algo inédito, causando horror e indignação após o ocorrido, a exemplo de relatos de moradores como os seguintes: ―Eu estou com 72 anos, vou fazer 73 e eu nunca vi um episódio tão feio. Nunca vi um negócio para me dar tanta preocupação. E a água então, você não conseguia aguentar o fedor. É como se estivesse limpando uma caixa de esgoto, uma fossa, sabe?‖; ―Esses valores que nós estamos observando aqui de 0,8 mg de oxigênio por litro de água são insuficientes para a manutenção da vida como nós conhecemos, essa vida mais complexa de peixes, invertebrados‖. Esses depoimentos foram retirados do curta-metragem ―Colapso Anunciado‖, o qual a autora deste trabalho produziu juntamente ao documentarista canadense Todd Southgate30 , em visita de campo realizada logo após o episódio (Southgate, 2021). As falas pertencem a moradores do município de Florianópolis/SC que, logo após o ocorrido, registraram sua revolta com a situação alarmante com a qual se depara a Lagoa da Conceição e revelam claramente que o evento foi extremamente danoso, trazendo inúmeras consequências desastrosas para toda a região. Como se não bastasse, pouco tempo após esse evento, com o risco de outro extravasamento, a CASAN realiza procedimento para evitar novo transbordamento da LEI 1 e, assim, efetiva a instalação de sistema de bombeamento emergencial de efluentes com canos e dutos ao longo das dunas. A operação forma uma nova LEI com a água redirecionada da LEI 1 para dentro do PNMDLC. Pesquisadoras e pesquisadores de variados laboratórios da Universidade Federal de Santa Catarina realizaram visita técnica no dia 26 de junho de 2021 com a finalidade de averiguar as intervenções feitas pela CASAN, que, a princípio, seriam provisórias e temporárias. Na nota técnica, elaboraram uma análise das circunstâncias das obras operadas e foram verificados inúmeros pontos de degradação dos ecossistemas nas Dunas da Joaquina, área protegida pelo PNMDLC. No documento, são alistados os impactos e as potenciais consequências das instalações de tubos para o transporte e lançamento de efluentes da LEI 1 da CASAN. 

 

Entre os vários problemas alistados estão o soterramento da vegetação existente na área das instalações da estrutura e o surgimento de uma nova ―lagoa artificial‖ de efluentes em um local onde não havia nenhum tipo de corpo d‘água, fato que alterou a dinâmica hidrológica do parque. Ainda, com a formação dessa nova lagoa, aumentou a probabilidade de impactos à saúde humana, como a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, a exemplo do Aedes Aegypti. Além disso, não há, no local, placas que sinalizem e informem os riscos sanitários causados pelo uso da água para consumo, para atividades recreativas ou, até mesmo, pelo contato acidental de indivíduos que vierem a passar pela região (UFSC, 2021).